O que busca?

segunda-feira, 24 de maio de 2010

A HISTÓRIA DA LITERATURA

Da Revista Médio Paraíba
em 22/04/2009

Segundo o pensador e escritor tcheco Milan Kundera: “Todo leitor, é um leitor de si mesmo”. A literatura é rica em fatos históricos, recheada de mitologia e veracidade. O escritor italiano Ítalo Calvino, relata com muita propriedade a importância de se ler os clássicos: “Ler clássicos, nada mais é do que encontrar nossa identidade”. O clássico que serviu de parâmetro para o Ítalo Calvino, além é claro para os célebres Virgílio, grande poeta romano e o florentino Dante Alighieri, foi “Ilíada” e “Odisséia” do poeta grego Homero.




Essas obras remontam a Grécia Homérica, enaltecendo a geografia humana e física, rica em fatos mitológicos. Das duas obras, tenho um carinho especial pela obra “Ilíada”, que consolida a forte cultura das guerras, com o tema entre gregos e troianos, tendo como pano de fundo a metáfora da Helena, ou seja, a própria Grécia encarnada numa bela mulher. A expressão literária homérica ecoou até a Idade Média, principalmente na região do Oriente Médio, com obras filosóficas de Ibn Khaldoun e principalmente com clássicos como “Ali Babá e os quarenta ladrões” e “Mil e uma noites”. O Oriente Médio torna – se neste momento, o berço cultural e da atividade escrita de uma forma eclética e inteligente.

Na Europa a ciência escrita passa a ser vigiada pela cristandade, principalmente no meio acadêmico, construindo uma escrita literária totalmente cristã e privada no ceio da Igreja Católica, impedindo a massa de usufruir do conhecimento e principalmente pelo alto índice de analfabetismo, inclusive entre membros da Igreja, como bem definiu o historiador Peter Burke. Na Baixa Idade Média, nasce o trovadorismo, tanto na prosa como no verso. No século XV, antes e durante a formação da Dinastia de Ávis em Portugal, trovadores como Camões, Fernão Lopes e Gil Vicente, construíram uma literatura com Cantigas de Amor e Cantigas de Amigo, numa época em que Portugal combatia os mouros na Península Ibérica, muito bem retratada pelo grande escritor português José Saramago, com a obra “História do Cerco de Lisboa”, o grande combate da Guerra da Reconquista.

Os séculos XV e XVI são séculos de transição no campo cultural e literário. Surgem as línguas vernáculas, ou seja, dialetos que se tornam línguas oficiais de Estados que estavam se formando, sendo fortalecidas com clássicos como “A Divina Comédia” do poeta homérico Dante Alighieri, consolidando o dialeto toscano como língua das republiquetas ( A Itália só se unificou no século XIX ). Temos também Giovanni Boccaccio com a obra “Decameron”, que oxigena uma nova mentalidade moderna entre o mundo medieval arcaico para um mundo moderno e levemente progressista. O clássico da ciência política “O Príncipe” de Maquiavel, uma obra que reforma o pensamento político, considerado a bíblia dos Estados Absolutistas e dos déspotas esclarecidos do período de quinhentos até o nosso presente.

Ainda no mesmo período, surge talvez um dos maiores clássicos da literatura moderna com “Dom Quixote” do espanhol Miguel de Cervantes, relatando a decadência de um cavaleiro medieval na Idade Moderna, um verdadeiro outsider na era dos burgueses estabelecidos e financiadores da Expansão Marítima, Renascimento e Absolutismo. A universalização da literatura ganha notoriedade após o surgimento da imprensa com o grandioso Gutemberg, construindo uma literatura plural e consolidando o estudo no sentido epistemológico e a hermenêutica, com um certo strictu sensu.

Até então, a Itália era o berço cultural e intelectual com o resgate de obras científicas ou cristãs, mas o século XVIII torna -se o século de uma nova guinada com novos pensadores e escritores na França Iluminista, surgindo escritores e filósofos como Voltaire, reconhecido pelos textos fortemente inspirados no britânico William Shakespeare que escreveu por sinal, um texto filosófico em Hamlet: “ser ou não ser, eis a questão”. Temos o pioneiro dos estudos sociológicos e antropológicos como Jean Jacques Rousseau com o não menos clássico “O Contrato Social”, Montesquieu com a obra política “O Espírito das Leis”, esmiuçando os poderes de uma forma descentralizadora e democrática.

E o escocês Adam Smith com o a obra “A Riqueza das Nações”, buscando um liberalismo econômico, livro de cabeceira dos burgueses ingleses e fisiocratas franceses, que investiam na indústria manufatureira na virada do século XVIII para o século XIX. Uma coletânea que relata com muita propriedade o período é “A Formação da Classe Operária Inglesa” do marxista cultural Edward P. Thompson, estudando o comportamento social e cultural dos operários no Reino Unido. O estudioso do materialismo histórico e da dialética Karl Marx lançou “O Capital” e “O Manifesto do Partido Comunista”, como obras especificamente ricas em pensamento de luta de classes e tecendo a classe trabalhadora.

Na França temos o surgimento do noveleiro e escritor Honoré de Balzac, com a obra “A Comédia Humana”, uma obra dantesca e fortemente centrada na ainda e persistente desigualdade social, numa França pós – Napoleão, tendo um turbilhão social na Comuna de Paris. O escritor progressista Victor Hugo nos apresenta a obra “Os Miseráveis”, que descreve o verdadeiro declínio do homem público e privado, tendo como leitmotiv um Estado francês deficitário e ostentando uma ideia de belle epoque que deveria ser exportada para as colônias francófonas, explorando o conceito darwinista pan – europeu. O século XIX também foi da Rússia com principais expoentes da literatura com Aleksander Puchkin, Fiódor Dostoievski, Liev Tolstói , Anton Tchekhov e Gogol que buscavam uma racionalidade enigmática e profícua, com pitadas sobre a estrutura dinâmica da sociedade russa, fazendo uma raio – x da alma humana na Rússia Bizantina.

No século XX temos escritores que fortaleceram a literatura interdisciplinar. O dramaturgo, escritor e filósofo Jean – Paul Sartre vai atrás de um casamento entre literatura e filosofia, como na obra “O Ser e o Nada”, uma obra existencialista e “A Idade da Razão”, que retrata a vida de um intelectual e burguês Rocquentin no ápice da França do século passado. O seu ex – amigo Albert Camus deu ênfase com a obra “Estrangeiro”, com um olhar periférico de um africano como Camus, sobre a Europa marcada pelo colonialismo no mundo subdesenvolvido ( visão européia que persiste ), uma crise de identidade, dando uma oportunidade para o historiador da filosofia Michel Foucault com a obra “Vigiar e Punir” fazendo analogias sobre o Estado, estudada também pelo cirurgião do sistema na década de 30, Antonio Gramsci com a coletânea “Memórias do Cárcere”, consolidando a imagem de Gramsci como persona non grata para o então deus farsante Benito “Duce” Mussolini.

Com o surgimento da Escola dos Annales, Escola de Chicago e a Escola de Frankfurt, a literatura ganha ares de profissionalismo e uma cara científica, como um grande mosaico literário, tendo como principais colunas da planta literária, ciências como Sociologia, Antropologia, História, Geografia, entre outras ciências que somam hoje com a literatura moderna. Na Europa Central temos o ícone da literatura com Franz Kafka com obras como “Metamorfose”, uma obra metáfora sobre as nossas mudanças, colocando o homem sempre numa margem de mudança. A obra “O Processo” relata a vida de Josef K, um homem que foi preso sem entender os motivos, comum naquela época, fruto das tensões pós – I Guerra Mundial.

História da Literatura Brasileira

A Literatura no Brasil começa no período quinhentista com o padre José de Anchieta durante o processo de catequização dos nossos nativos, criando poemas e contos para educar os silvícolas. Entre os séculos XVII e XVIII temos a consolidação do barroco, com uma escrita angustiante entre o mundo físico e o metafísico, uma crise existencial fruto da herança renascentista, como bem definiu na pesquisa realizada pelo historiador evenementielle Fernand Braudel. Nos anos setecentos temos o Arcadismo com uma linguagem mais simples e racional. O século XIX foi marcado pelo nascimento do Romantismo e Realismo, com uma escrita progressista e com forte conotação ideológica, dando destaque para Castro Alves, Casimiro de Abreu, precursores fundamentais da nossa literatura oitocentista, com obras que são objeto de estudo tanto fora como dentro do meio acadêmico.

Temos o cosmopolita e o divisor de águas na nossa literatura, Machado de Assis que escreveu várias obras, no entanto, cito as suas maiores publicações como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”, que reflete a cultura social, econômica e política no Segundo Reinado, inclusive sendo definido pelo historiador brasileiro Sidney Chalhoub, como um historiador amador da sociedade brasileira da época, explorando como poucos a mentalidade do sistema com uma ficção exemplar. Posteriormente, na virada do século XIX para o século XX, nasce o Parnasianismo e o Simbolismo, com uma linguagem rebuscada e extremamente erudita da intelligentsia tupiniquim como João do Rio, Olavo Bilac, Raimundo Correa buscando uma crítica apurada do sistema, no entanto, temos também o Pré – Modernismo, com uma escrita recheada de positivismo e um forte regionalismo com as obras como “Os Sertões” de Euclides da Cunha, valorizando o aspecto cultural e social, Lima Barreto que lançou o tão conhecido “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, Monteiro Lobato que valorizou o aspecto regional, cultural e mitológico, valorizando também uma escrita mais refinada com a obra “O Presidente Negro” e Augusto dos Anjos com obras poéticas.

Com a Semana da Arte Moderna em 1922, nasce o Modernismo com Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Manuel Bandeira entre outros escritores que construíram uma linguagem direta, simplista com pitadas de humor e dando ênfase no aspecto regional da obra, medida como ruptura com a tão exaltada cultura européia, presente e forte no Brasil desde os tempos coloniais. O Neo – Realismo é o último estágio da nossa literatura, com maturidade das obras, ricas em fatos sociais, como a obra “Vidas Secas” de Guimarães Rosa, a herança do Modernismo na obra “Menino de Engenho” de José Lins do Rêgo, que casa perfeitamente com a cultura patriarcal estudada pelo então sociólogo e escritor Gilberto Freyre com “Casa – Grande e Senzala” e “Raízes do Brasil” de Sérgio Buarque de Hollanda com uma análise sócio – cultural no período colonial. Somando com esses craques das letras temos Jorge Amado que reflete o regionalismo e raízes desde o vocabulário passando pelas mentalidades dos baianos, Raquel de Queiróz com um olhar clínico sobre o mundo e com uma escrita feminina e bela e os grandiosos poetas Carlos Drummond de Andrade, Vinícius de Moraes e Cecília Meireles que deixaram verdadeiros testamentos intelectuais poéticos, consolidando a beleza da nossa literatura e língua, entrando para os anais da História da Literatura no Brasil.

BIBLIOGRAFIA:

DE CERTEAU, Michel – A Cultura no Plural – São Paulo: Papirus, 1995;

CALVINO, Ítalo – Porque Ler os Clássicos? – São Paulo: Companhia das Letras, 1994;

KUNDERA, Milan – A Cortina – São Paulo: Companhia das Letras, 2006;

BURKE, Peter – A Arte da Conversação – Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003;

BRAUDEL, Fernand – O Modelo Italiano – São Paulo: Companhia das Letras, 2001,

P. THOMPSON, Edward – Formação da Classe Operária Inglesa – São Paulo: Companhia das Letras, volume 1, 1961;

SAID, Edward – Orientalismo – São Paulo: Companhia das Letras, 1976;

VAINFAS, Ronaldo e F. CARDOSO, Ciro – Domínios da História: Papirus, 1999.

Nenhum comentário:

Postar um comentário