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segunda-feira, 29 de novembro de 2010

VOLTA REDONDA E BARRA MANSA: UM ESTUDO DA CULTURA, ESCRAVIDÃO E ECONOMIA NO SÉCULO XIX


Segundo o memorialista J.B. Athayde, o povoamento de Volta Redonda teve o seu início no último quartel do século XVIII, e coincidiu, com o declínio da produção de ouro na Capitania de Minas Gerais, facilitando a entrada de muitos desbravadores, aquinhoados pelos Vice – Reis, fornecendo inúmeras sesmarias a partir de 1784. As terras que foram ocupadas acabaram resultando em um conflito entre os nativos puris e araris para saquear as lavouras e matando os indefesos habitantes, exigindo uma atitude imediata e enérgica, do Vice – Rei Luís de Vasconcelos e Souza, que criou um Corpo de Cavalaria e Aldeamento para os nativos nas proximidades do Rio Preto.
Os habitantes de Volta Redonda apresentavam uma cultura rude, entretanto, tinham uma postura aristotélica, ou seja, verdadeiros animais políticos, tentando um desmembramento da cidade do Rio de Janeiro, passou em 1801 , a pertencer ao Campo Alegre da Paraíba Nova, conhecida como Resende. Entre 1807 e 1813, os habitantes reivindicavam um novo desmembramento, devido um incidente sobre os limites entre a Câmara Municipal de Resende e a Câmara Municipal de São João do Príncipe. Os moradores de Volta Redonda, eram considerados naquela ocasião, de “além do Rio Paraíba” e “de uma outra vertente da picada de Barra Mansa”, enviaram representações dando total apoio à São João do Príncipe, apresentando uma profunda satisfação pelo desligamento de Volta Redonda aos resendenses:

A vila de Resende, porque além de ser muito mais perto para a de São João do Príncipe, acresce mais que esta nova Vila em direitura da Corte do Rio de Janeiro, onde indo nós tratar de nossas dependências da Lei nos é muito mais fácil e de pouca despesa conselhos de prudentes e sábios letrados da Corte; finalmente seguirmos para a mesma, os nossos Apelos Avocatórios e Agravos ainda mais sendo nós todos fregueses da Nova Freguesia de Sant’Ana do Piraí que foi erecta pelo Exmo. Senhor Bispo Capelão – Mor no ano de mil oitocentos e onze.”

Em 1823 surge uma nova vila no Médio Paraíba, entre os rios Preto e Paraíba, com o nome de Valença, colhendo com surpresa e descontentamento dos voltarredondenses, devido a falta de infra - estrutura, distância e falta de estradas, colocando Volta Redonda numa geografia isolacionista.
Tentando ganhar uma maior credibilidade, o prestigiado Cel. Custódio Ferreira Leite, tentou elevar à categoria de vila, o pequeno núcleo de Volta Redonda, prontamente apoiada pelos habitantes do antigo povoado. Na cultura agrícola, a chegada de novos moradores, modificou a demografia de Volta Redonda, atraídos pela febre do café no Vale do Paraíba e a chegada de escravos vindos da África, ocasionando um desdobramento de sesmarias em diversas fazendas de Volta Redonda. O desenvolvimento de culturas primitivas de anil, feijão, milho, mandioca, arroz e cana – de – açúcar, além é claro de criação de animais, sustentaram os cafeicultores com um luxo suntuoso em um período fausto e abundante, com a análise do memorialista J.B. Athayde, sobre o Comendador José Vieira Ferraz, que “na década de 1860, dava festas suntuosas em seu palacete em Barra Mansa, até ser levado à ruína pelo luxo exagerado de sua esposa”.
A qualidade do nosso café era motivo de orgulho em Volta Redonda e Barra Mansa, quando em 1877 o Imperador D. Pedro II, com uma leve participação da Província, pediu o envio do café cereja, no processo de desenvolvimento cultural das sementes nas províncias do Maranhão, Ceará e Pernambuco. Posteriormente, novas culturas foram absorvidas em Volta Redonda, como algodão, fumo e trigo, tendo como pioneiro no desenvolvimento dessa cultura, o fazendeiro Carlos Augusto Monteiro de Barros, um progressista, plantando sementes selecionadas nos EUA, obtendo resultados satisfatórios. O escoamento do café era um verdadeiro entrave na visão dos fazendeiros, por ser feito à cavalo, surgindo um novo espírito de melhoramento, após o desejo do Governo Imperial de construir uma estrada de ferro em Barra Mansa, desde que construíssem uma ponte sobre o Paraíba.
Entre 1860 e 1871, Barra Mansa e Volta Redonda ganharam fôlego econômico, colocando o Rio Paraíba como uma das principais hidrovias de escoamento de produtos agrícolas, com viajem de tropeiros e a consolidação da estação de Barra Mansa em 1871, inaugurada pelo próprio D. Pedro II, tendo investimentos de fazendeiros, ou seja, uma comissão que buscou um desenvolvimento da região. Só o Com. João Gomes de Carvalho, depois Barão e Visconde de Barra Mansa, investiu cerca de 20.000$000, até 1866, na construção e melhorias das estradas de Quatis, Amparo a Barra Mansa e São José do Turvo.
Na segunda metade do século XIX, surgiu um grande interesse pela pesquisa de minerais, com um levantamento dessas riquezas entre Barra Mansa e Resende em 1862, dando conta da pesquisa ao Governo da Província, procurando principalmente carvão de pedra. As estradas ainda apresentavam uma precariedade, quase intransitável, principalmente nas épocas de chuva. As aspirações de autonomia, um desejo do povoado de Volta Redonda, foi castrado e ressaltado pelo Dr Joaquim de Oliveira Machado, da Câmara Municipal de Barra Mansa, dando o seguinte parecer:
“O povoado não está no caso de merecer a criação em paróquia, enquanto os seus habitantes não construírem; as suas expensas, casa de detenção e cemitério fechado”.
O jornal barramansense “O Porvir”, apresenta uma crítica no dia 15 de janeiro de 1882, devido a falta de dinamismo na cultura agrícola brasileira. O foco da crítica são os economistas brasileiros, com uma retórica, que aqui existia um grande desenvolvimento econômico, entretanto, a crítica enaltece o desenvolvimento agrícola da Prússia, com as lavouras de cereais, legumes e forragens, algo que não existia no Brasil da mesma forma que funcionava na Europa:
“A verdade é somente uma, isto é, que, além da cultura do café, não existe outra em escala tal que possa fornecer ao paiz um concurso satisfactorio para a formação de sua riqueza. A pequena lavoura, aquella que n’outros paizes sustenta milhares de famílias e é a fornecedora de cereaes, legumes e forragens das cidades mais próximas, não existe entre nós, ella tem se acabado pouco a pouco, porque todos esses gêneros são presentemente fornecidos pelo estrangeiro, vinclusiel a fructa fresca
Os alimentos que eram consumidos tinham diversas origens. O feijão tinha origem africana, o arroz vinha da Ásia das Monções, legumes e couve do Rio da Prata, além de pimentões, tomates, repolhos, entre outros alimentos apresentando dados estatísticos da alfândega da Corte com cereais, frescos e secos:

Valor oficial 1.748:971$700
Batatas alimentícias 385:979$200
Alhos, cebolas, tomate 376:573$200
Alfafa, feno, aveia 505:547$300
----------------
Soma 3.037:071$ 300

Esta crítica e reflexão dá ênfase nas demais províncias, que por sinal, apresentavam uma revolta com o governo imperial com a cultura de importação, com uma terra extremamente fértil, tendo o exercício desta estatística entre 1879 – 1880. A mentalidade do texto crítico sem uma assinatura do autor progressista, mostra uma unidade de pensamento com esta definição:

“Si o Brazil é um paiz agrícola, por excellencia, como querem; si da sua actividade devem ser excluídos todos os trabalhos que não tiverem por objecto cultivar o solo, que, por conseguinte é o que deve constituir a sua requeza, porque razão se há desprezar tão abundantes recursos que dessa mesma industria se pode tirar?”

Fazendeiros versus Abolicionistas

Proprietários de terra faziam um investimento com reparos urgentes das estradas para Amparo, freguesia de Quatis e Volta Redonda com escoamento de produtos agrícolas, propondo aos vereadores da Câmara Municipal de Barra Mansa, algo em torno de 1:000$000 em 1883. A malha ferroviária era uma necessidade fundamental, tendo a frente a empresa estrada de ferro Pirahyense, buscando um desenvolvimento de 114 km, partindo da Estação de Sant’Anna, ou seja, Estrada de Ferro D. Pedro II, passando por Piraí, Freguesia do Passa Três, municípios do Rio Claro e Barra Mansa. Os fazendeiros, comerciantes e capitalistas do município de Barra Mansa, criaram o “Club de Lavoura da Barra Mansa”, buscando a exposição dos seus produtos e fazer frente aos abolicionistas.
O clube foi inaugurado com 15 membros, com poderes amplos e ilimitados, com um conselho composto de 50 lavradores para uma possível colaboração. O clube não desejava um futuro semelhante o da Província do Ceará, que aboliu o comércio de escravos. A emancipação dos escravos era o discurso dos abolicionistas, no entanto, os proprietários de terra não desejavam o derramamento de sangue por parte dos liberais exaltados. O temor pela emancipação dos escravos nas províncias do Rio, Minas e São Paulo era grande, principalmente com o aumento de ladrões e bandidos. O Comendador Joaquim Leite tinha um desejo que o presidente do clube tivesse boas relações e simpatia pelo governo. Uma pessoa que inspirasse confiança à lavoura do município. A preocupação era visível dos proprietários, como no artigo do “Jornal do Commercio”, que foi publicado no dia 25 de abril de 1884. Eis um trecho:

Todos os brasileiros e todos os estrangeiros residentes no Brazil estão dispostos a concorrer para a emancipação dos escravos, pelos meios marcados na lei.
Não se persuada o Imperador, não creia o governo que a nação pensa como os agitadores incendiários das ruas da corte; a nação o que quer, é que aquelles a quem Ella paga para velar pela vida, honra e propriedade do povo com dedicação e firmeza.
Querem a emancipação?
Pois bem, a nação também a quer, cuidemos della, mas por Deus, cuidemos della não por meio de injuria e do insulto aos homens pacíficos, cujo único crime é concorrerem para a sustentação do paiz com o producto do seu trabalho; mas sim pelos meios regulares marcados pelas nossas leis e a constituição do Império.
Teremos chegado a tal Estado de perversão moral, em que lugar de ouvir – se o corpo legislativo e os outros poderes constituídos, sobre a questão do interesse púbico, ouvem – se os agitadores de toda a espécie
?
Póde – se fazer a emancipação nas províncias do Rio, Minas e S. Paulo, pelo modo por que fizeram no Ceará?
Póde – se atirar na sociedade de chofre 800,000 escravos validos, que essas três províncias possuem? O que faz o governo? O que faz o Imperador? O que fazem os senadores e deputados
?”

Este sentimento de bandidagem e até criminosa, ganhou força como no caso do fazendeiro José Maria da Costa, que foi assassinado em sua fazenda de Santo Antônio, em Vargem Grande pelos seus escravos Agostinho, Estevão e Amâncio. José Maria tinha uma valiosa fortuna e era proprietário da firma Faria, Costa& Comp. O escravo Agostinho já tinha assassinado o feitor da fazenda do Sr Manoel Martins da França Jr, que sofreu alguns açoites. O proprietário tinha reformulado o seu testamento, agraciando escravos com a carta de alforria e a quantia de 200$000. A revolta dos proprietários de terra acirrou inclusive os ânimos dos senadores, com críticas aos abolicionistas, que por sinal, eram chamados de “anarquistas” e “perturbadores da ordem”, denunciados por sumirem com escravos e a falta de um posicionamento transparente do próprio Senado.
Tendo uma prosperidade significativa, Barra Mansa e as terras anexadas, sofreram um duro golpe em 1888 com a Lei Áurea, arruinando a economia dos fazendeiros da região, desocupada rapidamente pelos escravos, buscando em 1893, na então República Velha ( 1889 – 1930 ), a entrada de imigrantes chineses para suprir a agricultura dos fazendeiros. Para agravar, a economia agrícola, na última década dos anos oitocentos, surgiu a “peste do gado”, dizimando o rebanho bovino, gerando uma forte degradação da cultura agrícola nas terras de Barra Mansa no final do século XIX.

BIBLIOGRAFIA

1) Fontes Impressas ( GREBAL e Academia Barramansense de História )
A – O jornal “O Porvir” – Barra Mansa, publicado em 15 de janeiro de 1882.
B – “Aurora Barramansense” – Barra Mansa, publicado em 5 de julho de 1883
C – “Aurora Barramansense” - Barra Mansa, publicado em 20 de abril de 1884
D – “Jornal do Commercio” – Barra Mansa, publicado em 25 de abril de 1884
ATHAYDE, J.B. ( 2004 ) Volta Redonda: Cidade do Aço ( notas históricas ) 2ª ed
Coronel Fabriciano, MG: Editora Rogério Bussinger
ATHAYDE, J.B. ( 2005 ) Volta Redonda e a campanha emancipacionista, 2ª ed -
Coronel Fabriciano, MG: Editora Rogério Bussinger.
ATHAYDE, J.B ( 2005 ) Volta Redonda através de 220 anos de história, 2ª Ed.
Coronel Fabriciano, MG, Ed: Rogério Bussinger.
GUIÃO, Roberto ( 2004 ) Volta Redonda: Nogueira Artes Gráficas.


* Este artigo é a minha homenagem ao amigo, orientador, historiador e ambientalista Alan Carlos Rocha ( foto ). Aprendi muito sobre a História de Barra Mansa e Volta Redonda com imparcialidade e muita cultura. Seu legado literário é um verdadeiro testamento intelectual para o povo barramansense e sul - fluminense. Alan foi membro do GREBAL e da Academia Barramansense de História. ( Djalma Augusto )












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