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quinta-feira, 16 de agosto de 2012

CULTURA PAGÃ E CRISTÃ ENTRE OS SÉCULOS XIV E XVIII: SABÁS, FEITIÇARIA E LEPROSOS EM UM MUNDO NEFASTO.


O historiador cultural Carlo Ginzburg fez uma curiosa e interessante pesquisa sobre a cultura de oferenda na agricultura com o intuito de buscar a fertilização do solo na Europa do século XV. Logo, esta interessante manifestação cultural foi colocada em xeque pelos inquisidores, que denominavam como prática de bruxaria, chamados de andarilhos do bem ou benadanti, modificado pelos inquisidores como comportamento demoníaco, com uma irracionalidade da perseguição, colocando a narrativa das bruxas em um estado delirante. A feiticeira é antiga, anterior ao período pré – cristão, como o culto da fertilidade, estudadas por antropólogos e folcloristas, aculturadas ou processo de aculturação, bem definida pelo renomado Franz Boas nos oitocentos, uma fusão entre a natureza e divindades feministas, chamada ora Diana, ora Herodíades ou Perchta ( FOTO ), ocorrida em regiões com forte tradição pagã como as eslavas e germânicas, cultuando a fertilidade dos campos e os “benadantes” vistos pela Igreja Católica como bruxos.
Muitos, em estado transcedental, em sonos profundos, de letargias, tornando – os insensíveis, em um nirvana para combater os feiticeiros, processados pelos Santos Ofícios, como ocorreu em Veneza, com insinuações maldosas do inquisidor com este questionamento: “quando saías em forma de fumaça, como dizes, besuntavas – te antes com algum unguento ou óleo ou dizias algumas palavras [...] ?. A resposta, com uma certa aspereza “Não! Juro pelos santos, por Deus e pelos Evangelhos que não untava e nem dizia palavra alguma [...]”. Acreditavam nas metamorfoses, como este caso relatado da mulher que virou fumaça ou o caso de uma camponesa acusada de bruxaria ao relatar ter conhecido uma bruxa que ao morrer, viu um rato sair da sua boca, acreditando ser o espírito dela em 1589. Muitas relatavam voos noturnos para lugares distantes, as virtudes mágicas dos unguentos diabólicos, vista pela cristandade menos ortodoxa como fantasia de pessoas vulgares, rudes, camponesas ou idiotas em sabás diabólicos.
Os benadanti, segundo o estudo do historiador italiano, refuta que ficavam armados com ramos de erva – doce para a batalha contra as bruxas e feiticeiras, metafisicamente saindo de seus corpos para proteger a fertilidade agrícola em tempos escassos e evitar a fome, intempéries e definidos pela Igreja como punição pelos pecados cometidos. A cristianização com ritos agrários domina o cenário medieval e moderno, dentre eles, o  folclore do lobisomem como elemento que protege a terra e os seus frutos, seguindo até o inferno para recuperar os alimentos que foram furtados pelo demônio; uma crença que ganhou notoriedade na Lituânia dos séculos XVI e XVII, traçando um paralelo com os benadanti. Os leprosos eram também dizimados ou viviam em uma condição outsider, expressão bem empregada pelo sociólogo alemão Norbert Elias, com uma reclusão perpétua, rigidez na separação de homens e mulheres, prontamente autorizada por Filipe V, o Longo, Rei da França em 1321. O filósofo e historiador Michel Foucault cita em sua excelente obra lida também por mim “História da Loucura”, que os leprosos eram colocados em leprosários em um total estado de abandono, com uma “salvação” através da exclusão. Na pesquisa de Ginzburg, os leprosos tentaram envenenar as pessoas sãs nas fontes, poços e águas, encarcerando e queimando os réus confessos. Cronistas da época, dentre eles, Guillaume de Nangis, cita a aliança entre leprosos e judeus para a eliminação de cristãos, com conspirações orquestradas com capital e a ajuda do diabo.
Muitos, perante a Santa Sé, foram mandados para a fogueira e registrada pelo inquisidor Bernard Gui. A ojeriza da cristandade perante os judeus ainda era maior por praticarem empréstimos usurários, prostituíam e estupravam as mulheres dos cristãos mais humildes, que não tinham condições de pagar penhores. Eram considerados nefastos perante os cristãos, junto dos leprosos, tornando – se no século XIV em segregação e reclusão, alimentando os estereótipos do sabá, a reverência ao demônio, a profanação da cruz, atrelados aos feiticeiros, bruxas, além da marginalização de judeus e leprosos, levou a Europa em um holocausto silencioso, somente registrado e conhecido em incunábulos como o “Formicarius” ou o “Tractatus de Strigibis”, publicados por escritores no século XIV, estudada por este excelente historiador italiano e devidamente guardado na Biblioteca do Vaticano.  

BIBLIOGRAFIA:

1 - GINZBURG, Carlo. Os andarilhos do bem: feitiçarias e cultos agrários nos séculos XVI e XVII. Companhia das Letras, São Paulo, págs 255, 2001;

2 - GINZBURG, Carlo. História Noturna: decifrando o sabá. Companhia das Letras, São Paulo, págs 406, 2001. 

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